Estava à procura de um documento qualquer dentro do meu computador, quando topei, sem querer, com uma pasta de fotos antigas. Abro-a, e para minha surpresa a primeira imagem que surge sou eu criança. Estou na pré-escola. Os cabelos lisos jogados pro lado; seguro um brinquedo, uma caixinha em que se lê Dominó – já sei ler. Uma farsa, ainda não sabia ler naquela idade. Atrás de mim, como fundo de tela, aparece uma figura grande: a Xuxa (meu delírio infantil) com um sorriso dissimulado. Analiso o retrato, estou bem, a pele suave, livre de preocupações. Apenas meu olhar parece um pouco triste. Talvez eu estivesse assim por estar perdendo parte do recreio no pátio ou chateado pelo fato de estar preso na escola.
Sigo vasculhando a pasta e me deparo com outros eus do passado; todos aprisionados em pequenos arquivos quadrados em formato JPG. As fotografias revelam outros estilos meus. Alguns esquecidos. Seria por acaso?
Em uma das fotos visto a camiseta do Grêmio e estou sentado em algum setor dentro da Arena. Quem haveria de ter tirado aquele retrato? Já em outro momento, seguro uma taça com espumante e abraço os meus pais. Eles estão jovens e parecem aborrecidos. Se não estou enganado, aquilo foi numa virada de ano. Então por que eles estão tristes? Tenho fotos ao lado de amigos que perdi o contato há anos. Por que deixamos de nos falar?
Quando olho para essas imagens, reconheço que sou eu ali. Ao mesmo tempo em que não sou eu em definitivo.
Onde eu estava com a cabeça quando escolhi fazer aquele corte de cabelo? E aqueles tênis horríveis e sujos, por que não os troquei, nem que fosse apenas naquele momento? Que fim deram os óculos com hastes de metal que arruinavam a minha aparência? Por que perdi tantos cabelos em tão pouco tempo? Por que eu não deixava a barba crescer naquela época? Por que eu sorria feito um bobo? Ainda faço isso? Quem diabos teria me flagrado no instante em que eu ostentava uma cueca que ganhei de algum amigo secreto esquecido para sempre?
Então, enquanto faço estas perguntas, me dou conta de que não devo acreditar em tudo o que vejo. Aquele não era exatamente eu, aqueles não eram exatamente os meus pais, nem exatamente os meus amigos. Tudo agora pertence a um imaginário, retido e armazenado em bytes dentro de um disco rígido de computador. E só.
É quando chego a conclusão de que aquelas fotos jamais serão reveladas.