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Colunista: Luis Felipe

Na fila do pão

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Era dia de oferta no supermercado do bairro e ele não pôde deixar de notar o quanto o lugar estava cheio. Atravessou o setor de hortifruti, coibindo um impulso vigoroso de olhar para os lados. Tinha certa queda intempestiva por determinadas frutas: abacaxis, mangas, pêssegos, abacates. Hum, como amava uma boa batida de abacate com leite condensado e limão. Mas, naquele dia, tudo o que carregava na carteira eram sete reais.

A algazarra dos clientes lembrava o caos nas bolsas de valores dos anos 90. Senhoras, muitas passando dos setenta anos, passavam com seus carrinhos zunindo próximos das suas pernas. Crianças voavam pelos corredores carregando pacotes de bolachas. Até um choro de bebê, vindo da outra extremidade, perto das bebidas, podia ser ouvido.

Ele tentou se concentrar no pedido feito pela mulher “traz quatro cacetinhos e duzentas gramas de mortadela. Da magra”. “Da magra!”, ainda gritou da janela, enquanto ele movia a trava do portão.
Ao se aproximar da padaria, notou o quanto as pessoas se espremiam à procura da melhor posição, enquanto apenas uma atendente, uma menina de uns vinte e cinco anos, de touquinha e olhar aturdido, anunciava “próximo da fila”.

Outra alternativa não viu, empertigou-se atrás de um rapazote inchado, de panturrilhas fortes e tênis Nike. Postou-se ali, observando a figura imponente. Que altura teria? 1,90 ou 1,95 talvez. A idade? Vinte, no máximo. Notou também que ele segurava uma nota de vinte reais na mão e se movia devagar, enquanto a atendente berrava, cada vez mais alto, “próximo da fila”.

Quando finalmente chegou a vez do rapaz à sua frente, este pediu, com uma voz macia e educada, cinco pães e cem gramas de peito de peru. A atendente obedeceu sem hesitar; ato contínuo, entregou ao rapaz o pedido. Os pães cheiravam a novo.

Ele ainda acompanhava o rapaz deslizando pelo corredor quando foi acordado da sua letargia pela voz da atendente. Soltou um “ah” e fez seu pedido. A moça apanhou os quatro pãezinhos e estendeu para ele, que agradeceu com um obrigado murcho.

Na fila, postou-se novamente atrás do rapaz de tênis Nike. A fila crescia e a voz que saia dos caixas agora era masculina, berrando “caixa três livre”. Foi aí, despertado com esse grito, que lembrou: havia esquecido de pegar a mortadela. Resignado e sem coragem de abandonar a fila, levou a mão ao saco de pães. Estes endureciam na sacola, pareciam gelados, como se não houvessem saído do forno há pouco.

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