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Colunista: Henrique Pajares

Ritual dos cansados

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A cena se repete de segunda à sexta-feira na rotina do casal. Prostrados em extremidades distintas do sofá, trocam olhares ao final do dia e uma das partes diz estou morrendo de cansaço e a outra responde eu também.

À medida em que o final de semana se aproxima, o casal vai substituindo a fadiga por um sentimento de esperança. Depositam naqueles dois diazinhos uma fé avassaladora. A fé logo se transforma em fantasia, e fantasia, como se sabe, dura pouco: a realidade suplanta qualquer imaginação.

Num final de semana o casal dá sorte. Há dinheiro sobrando para um lanche no shopping e uma sessão de cinema, além de boas amizades para compartilhar um churrasco no domingo. O fim de semana sortudo passa voando.

Tem também o final de semana ruim, e ele também passa voando. O casal discutiu na sexta e o sábado ainda reverbera o efeito da troca de acusações. O passar do dia vai recolocando as coisas no lugar, e o casal termina a noite assistindo ao Altas Horas na cama. O domingo, que poderia ser redentor, é arruinado por um incidente. Um dos integrantes do casal tem uma gastroenterite e eles vão parar no pronto-socorro. De onde desvencilham-se apenas oito horas depois, doentes de cansados, famintos e com a indicação de três medicações caríssimas para comprar.

Mais uma semana inicia e o casal vê o quadro se repetir. Mas não há outro jeito, não tem como acenar para o juiz do céu e tocar a palma da mão com o indicador pedindo tempo, como nos jogos de basquete. A solução é passar uma água fria no rosto pela manhã e fingir o melhor sorriso para evitar problemas com os colegas de trabalho. Um dia de cada vez, um dia de cada vez.

A segunda faz jus à má reputação de pior dia da semana: os rostos mal-humorados denunciam a insatisfação pela retomada. A terça e a quarta são parecidas: ninguém dá importância a elas. Na quinta – talvez o melhor dia da semana – há uma tensão gostosa de pré-sexta. Sextou, enfim, e a atmosfera de euforia mascara o cansaço: há muito barulho nos happy hours, os carros andam acelerados, os pedestres acotovelam-se nas calçadas atrás de espaço. Ninguém quer ficar de fora da festa que é o final de semana.

O casal repete a rotina de todas as noites no sofá, mas como é sexta, incluem uma cervejinha no roteiro. Servem duas taças da bebida gelada e uma das partes sugere um brinde. Trocam olhares interrogativos à procura do objeto da saudação. Ah, sim. Um brinde à semana vencida. Tintim. Adormecem semi-embriagados no sofá.

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