Na infância, eu chorava tanto que era praticamente um reservatório ambulante. E foi assim que me tornei a diversão dos meus irmãos mais velhos. Eles se reuniam e começavam “vamos fazer o Felipe chorar?”. Daí, um de cada vez, dizia “vai chorar”, “daqui a pouco ele chora”, “chora”, “chora”.
Eu, na flor dos meus dez anos, quando muito, e no alto dos meus vinte e cinco quilos (o menino mais quebradiço do bairro inteiro), sacolejava os ombros, no início. Rebatia “eu é que não vou chorar”. No entanto, aos poucos, um sentimento, um sei lá de quê, vinha tomando conta de mim. Meu rosto avermelhava, minhas mãos tremiam, eu baixava a cabeça, um nó se formava na minha garganta. Pronto, o nó era o último sinal do meu fracasso infantil: eu explodia em lágrimas. Eles sabiam que eu ia chorar, eu sabia que ia chorar, até o cachorro da vizinha sabia que eu ia chorar. Era um roteiro mais previsível que novela das seis.
Crianças podem ser insensíveis. Crianças, sem a orientação adequada, podem se tornar adultos desumanos.
Lembro do meu pai nessas situações “deixa de ser bobo, guri, chorar por uma besteira dessas, homem não chora, para de chorar senão tu vai apanhar pra chorar com vontade”. Não importava o peso da ameaça ou o que ele dissesse, eu seguia chorando. Eu sabia chorar.
O tempo, é inevitável, passa. Cresci, virei professor, casei. Fiz tudo que se espera de um adulto. Mas algumas coisas, pelo caminho, ficaram para trás…Como as lágrimas. Hoje estou seco. Tão seco que, se eu fosse uma planta, já teria virado lenha.
Na última quinta de manhã, recebi uma notícia: um amigo havia falecido. Causa da morte, suicídio. Fiquei atônito, senti pena da sua mulher, do seu filho, dele, em especial. Me senti mal. Há quanto tempo não conversávamos? Como ele não andava sofrendo para chegar a esse ponto? Que tipo de amigo eu era, afinal? Tomei uma decisão, iria ao velório dar um abraço em seus familiares e prestar uma última homenagem.
O velório adentrou a madrugada de quinta. Fui na sexta de manhã, bem cedo. Deparei-me com a viúva ao lado do caixão. Abracei-a. Abracei os pais, sem coragem de dizer uma frase, uma palavra sequer de conforto. Foi o velório mais quieto em que já estive. Todos ali pareciam culpados. Escutava sussurros, lamentos baixinhos, frases pequeníssimas.
Saí de lá envergonhado. Meu amigo se foi, e tudo o que restava eram silêncios, olhares baixos, perguntas sem respostas. Senti culpa, tristeza, veio um nó na garganta que permaneceu entalado. Talvez algumas dores não escorram pelos olhos. Talvez só se acomodem dentro da gente, pesando para sempre.