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Colunista: Luis Felipe

É viração

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De repente, vejo-me com a vida ganha. Encontrei, enfim, o norte profissional que tanto almejei. No meu casamento tem amor, paz e respeito que bastam. Meus finais de semana são pequenas férias coloridas. Meus parentes não trazem problemas, nem pedem mais dinheiro emprestado. Gozo de saúde mental invejável e me sinto em um corpo inteiramente jovem: minha coluna está ereta, minhas articulações desengripadas, minha produção de colágeno está em dia.

Penso em viagens, praias, restaurantes, exposições artísticas, em novos cursos disponíveis nos anúncios do Instagram. O tempo estacionou; os anos que me afastam de uma velhice decrépita estão cada vez mais distantes. Sinto-me vivo como nunca: vale a pena existir!

Então, resta pouco a fazer. Sento-me no sofá da sala para ver meu time. Ele joga numa divisão indigna da sua grandeza – um problema menor, já o vi jogar fora da elite.

Tudo vai bem. Fizemos um a zero no começo do jogo em um lance de bola parada e o segundo gol está próximo. Até que, depois de um chute distante e despretensioso de um meio-campista nanico, a bola faz uma curva com o vento, enganando o nosso goleiro.

Eu nem desconfio, mas é vento de viração.

A atmosfera pesa sobre mim. Pela fresta aberta da janela da sala entra uma golfada de ar frio que me golpeia a espinha.

O segundo tempo inicia com os jogadores do meu time nervosos. A bola queima em seus pés; não é possível que não acertam um passe de três metros. Abro uma cerveja que me parece amarga. A cevada está pior e mais cara. O leite está caro, o diesel está caro. O que nesse país não está mais caro?
Com a proximidade do fim, a partida só piora. O gramado é ruim e o time adversário começa a fazer cera. Me distraio mexendo no celular, vendo notícias de novos vírus. Olho meu saldo no aplicativo do banco e fico assustado.

O jogo termina empatado. Atiro o controle sobre a guarda do sofá e pego um livro, mas não gosto de ler quando estou de mau humor.

Meu telefone toca. São familiares ligando. Conversamos por menos de dez minutos e os assuntos se esvaziam diante do tédio mútuo. Após o telefonema, penso que hoje preciso de um sonífero forte para dormir. Amanhã, quem sabe, o sol de um novo dia, sem futebol, leve esse vento ruim para bem longe.

Dica de música: Viração (Kleiton e Kledir).

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