Colunista: Luis Felipe

Disposição animal

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Mudei recentemente para uma casa. Antes, morava em um apartamento de cinquenta e três metros quadrados, no quinto andar. A casa, somada ao pátio, é bem maior.

O contato com a terra tem me feito bem. Descobri que gosto de passar repelente, pegar uma cadeira de abrir e ir para o pátio ler, enquanto a tarde vai escurecendo. Nos dias de folga varro as folhas que caem das árvores frutíferas. Já identifiquei laranjeira, bergamoteira, jabuticabeira (o que faz uma sujeira danada) e um limoeiro, na parte de trás da casa nova. Vi que vou ter muita fruta para comer, na época certa.

Além dessas árvores, tem uma parreira carregada de uvas ainda verdes. E foi no meio dela que fiz uma descoberta há alguns dias: uma pomba, que assentou ninho e ficou a chocar os seus ovinhos.

Comuniquei à minha mulher. Fomos até a parreira e mostrei o pássaro, que não arredava do lugar. Mesmo com a nossa presença, ela parecia nos monitorar sobressaltada com seus olhinhos cinzas.

Minha mulher disse – num gesto maternal característico – que ficaria atenta a ela, para que nenhum predador se aproximasse. Preveni que era desnecessário, e finalizei dizendo que a natureza se virava melhor sozinha. De toda forma, é impossível contrariar uma mulher sem parecer um idiota. Elas sempre têm razão (não é uma ironia). Assim, ela se entregou àquela tarefa.

Os dias passaram e numa tarde quente surpreendi minha mulher vigiando a pomba, que por sua vez, cuidava dos ovinhos. Comentei despretensiosamente: “Como pode, nesse calor dos infernos e esse bicho aí”. Minha mulher complementou com uma frase que fez tudo ganhar sentido: “Ela tem que fazer isso”.

Sim, a pomba tem que chocar os ovos. Tem que executar o seu papel, faça sol ou chuva. Depois terá que alimentar os filhotes na boca, até que possam voar sozinhos.

Está aí o porquê no inverno – quando o relógio marca seis horas da manhã, o termômetro quatro graus de temperatura, cai uma chuva fina e o despertador toca – queremos seguir na cama, mas as responsabilidades – vindas através do alarme – lembram que temos uma missão a cumprir. Então levantamos à contra gosto, lavamos o rosto com aquela água gelada e encararemos o mundo de frente.
A vida impõe muitos obstáculos. Nós – e as pombas – sabemos disso. Basta ter disposição para enfrentá-los.

Dica de documentário: A marcha dos pinguins (2005).

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