Colunista: Luis Felipe

Ainda é tempo

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Dias atrás, conversava amenidades com um vizinho de praia, quando ele, sem mais nem menos, confessou-me uma coisa: sentia-se velho e só agora percebera as coisas boas da vida. Segundo ele, descobrira tudo muito tarde. Soubera tarde que precisava amar e cuidar das pessoas com quem compartilha a vida. Aprendera tarde que gostava de viajar, de fazer novas amizades e, especialmente, tarde que precisava ter tempo para curtir a vida e não apenas trabalhar.

Lamentava-se, apontando para as rugas no rosto, mostrando as mãos calejadas por serviços braçais. Falou do quanto lhe doíam as pernas e de como estava ficando com a memória fraca nos últimos tempos. Disse, com tristeza na voz, que sentia uma dor no peito ao pensar que talvez morreria em breve, com a consciência de que poderia ter aproveitado tudo o que a vida oferecera antes.

Parei e o olhei fixamente, cuidando para não o condenar ou demonstrar piedade. Quer dizer, acho que fiz essa cara. Na certa, exibi uma expressão consternada, pensando na primeira resposta reconfortante (e mentirosa) para amenizar a dor daquele homem. A verdade é que me esforcei muito, mas não saiu nada, disse apenas para ele que vivesse o restante dos dias, que duraria muito ainda, além de outras frases protocolares.

Nos despedimos e meu amigo saiu decepcionado. Esperava mais de mim. Portanto, aqui vai a resposta mais adequada, que deveria ter dado a ele naquele dia.

“Meu amigo, que idade você tem agora, sessenta, setenta anos, no máximo? Então, saiba que a expectativa de vida dos brasileiros é de setenta e sete anos. Ou seja, no pior dos cenários você ainda pode aproveitar sete anos de vida. E isso é tempo suficiente para fazer muita aventura ainda.

Isso considerando que você tenha setenta anos e caia na média. Sendo realista, você parece ter menos idade e bastante saúde.

Logo, vai viver seguramente mais uns vinte anos. Vinte anos, meu amigo! Pode casar mais uma, duas vezes, pode fazer sexo, realizar uma cirurgia plástica, pular de bungee jump, escalar o Everest, fazer um cruzeiro pelo Caribe ou ir de moto até o Ushuaia.

Claro, isso depende da sua disposição. Se não quiser fazer nada disso, tem outras escolhas. Pode continuar a lamentar os dias perdidos para um vizinho de praia trinta anos mais jovem. Ou então pode acordar todos os dias, a partir de agora, com extrema gratidão, pois sabe o que o faz feliz. E, acredite, isso vale para todos os dias que ainda restam.”

Dica de filme: Um estranho no ninho (1975).

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